quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Sobre a Doutrina do Santo Daime e seu fundador:


O uso ritualístico da ayahuasca em um formato religioso tornou-se uma característica única da cultura ayahuasqueira no Brasil, formada em uma conjuntura de transformações sociais no país. Especialmente de transição da cultura rural para a urbana, unindo diversos elementos do universo cultural brasileiro. De tal maneira que, o processo de apropriação e ressignificação do uso da ayahuasca dentro de um contexto religioso em um formato cristão, elaboraram uma nova forma de organização baseado na socialização e aproximação entre o mundo rural e urbano. Contexto que propiciará os surgimentos das religiões baseado no uso da ayahuasca. Assim de acordo Goulart (in LABATE, 2002), tais religiões inauguram uma nova lógica do consumo deste chá na sociedade do homem branco. 
O uso da bebida ayahuasca compreende não somente a expansão da consciência, como também uma aproximação com o mundo sensível. Diz respeito ao universo subjetivo dos indivíduos, como reforça a crença nos seres míticos da floresta. Tal manifestação não poderia ser mais nativa, compreendendo uma infinidade de povos e grupos que se utilizam das mais diversas maneiras do uso da Ayahuasca, como forma de se atingir o sagrado. O termo “ayahuasca” é a denominação de procedência “quíchua” para esta bebida que simboliza o contato com o mundo dos espíritos, ou, vinho das almas. A mesma é resultante da combinação de duas plantas nativas da floresta amazônica, o cipó (Banisteriopsis caapi) e a folha (Psychotria viridis)1, que há muito vêm sendo utilizada pelos indígenas e caboclos da floresta, em uma relação de caráter orgânica com a natureza que lhe provêm todas as necessidades.
A doutrina do Santo Daime é um sistema religioso baseado no uso sacramental da bebida Ayahuasca em seus rituais. Fundada na década de 30 por Raimundo Irineu Serra em Rio Branco no Acre, de onde a partir dos anos 80 disseminou-se para outras localidades do Brasil e do mundo. Tal doutrina é um complexo sistema de elementos simbólicos das mais diversas áreas da vida cultural brasileira, em especial dos povos da floresta e do campo. Que na atualidade abarca uma tradição de quase oitenta anos, compreendendo todo um modo de ser e organização de vida pautada na relação de respeito à natureza. Um fenômeno que demonstra a riqueza e a diversidade da cultura do Brasil e principalmente da Amazônia.
Raimundo Irineu Serra adotou uma nova denominação a esta bebida, atribuindo-lhe o caráter de pedir, de rogar, de solicitar as forças da espiritualidade todos os sentimentos e necessidades aspiradas. Passando a ser chamada por seus adeptos de “Daime” ou “Santo Daime”, aludindo a súplicas como, dai-me amor, dai-me fé, dai-me saúde.
Raimundo Irineu Serra nasceu em São Vicente de Férrer, no Estado do Maranhão em 1890. De origem humilde e descendente de escravos, migrou para o Estado do Acre no inicio do século XX, final do primeiro ciclo da borracha, chegando às fronteiras do Acre, com o Peru e a Bolívia. Foi junto com o conterrâneo Antonio Costa que Irineu buscou conhecer juntos aos caboclos dos seringais do Peru a bebida ayahuasca, que mesmo cercada de conceitos pejorativos entre os seringueiros, despertou o interesse deste, em tal experiência.
Com o aprofundamento de Irineu no uso da ayahuasca, surge à entidade feminina apresentada como “Clara”, que passa a o instruir em seu processo de iniciação, esta mais tarde, revelar-se-ia a ele enquanto Rainha da Floresta ou Virgem da Conceição. Constituindo, neste momento, o mito fundador da doutrina do Santo Daime, revelando a ele sua missão, instruindo-o sobre a espiritualidade e sobre a doutrina que viria a fundar. As versões sobre esses acontecimentos também são variantes, sendo em geral, bastante semelhantes. Irineu junto com Antonio Costa aprendem a identificar as plantas e passam a produzir eles mesmos a bebida, é justamente a partir deste fato, que se iniciam os processos de revelações a Irineu. 

A Iniciação de Irineu ocorreu por volta de 1914 e 1916 na região de fronteira de Brasiléia e Cobija na Bolívia. Foi pouco tempo depois desse período que Irineu juntamente com os Irmãos Costa, fundaram o Circulo de Regeneração e Fé (CRF), inspirado nos padrões da organização cristã esotérica Circulo Esotérico de Comunhão do Pensamento. Sendo inclusive adotado um lema praticamente idêntico ao deste grupo “harmonia, amor e verdade”.
A organização dos rituais do CRF não era bem definida e aproximava-se das sessões espíritas. Durante as sessões eram passadas comunicações de entidades que eram transcritas e repassada aos demais membros, tais acontecimentos eram chamados de “práticas”. Provavelmente as atividades do CRF encerraram-se no ano de 1943, antes desse período Irineu Serra se mudou para Rio Branco onde fundou um novo grupo com base no uso religioso do Daime.
Ao chegar a Rio Branco, Irineu ingressou na força policial e fazia uso do daime discretamente. É neste período, na força policial, que Irineu conhece várias das pessoas que integrarão futuramente seu grupo de seguidores, tais como Germano Guilherme, João Pereira e José das Neves. Irineu só retomará os trabalhos com o daime após 1930, quando já havia se dispensado do serviço na força policial, migrando para área da zona rural de rio branco onde se estabeleceria como agricultor. Formando em volta de seu trabalho uma pequena comunidade composta por pessoas que alcançaram a cura através de suas práticas com o Santo Daime. Desenvolvendo assim, o grupo dos primeiros seguidores desta nova fase dos rituais com o Daime. 

Assim, já estabelecido nesta cidade e com uma rede de relações que facilitaria a organização de sua doutrina é que, entre 1930 e 1960, Irineu vai padronizando os rituais e “Hinários”, executando-os de acordo o calendário e festas cristãs. Até pouco antes de seu falecimento, Irineu buscou corrigir seus rituais, padronizando-os e buscando entre seus seguidores seu fortalecimento, várias foram as alterações e inovações introduzidas a sua doutrina no decorrer de sua constituição.
O primeiro ritual a ser organizado por mestre Irineu foi o trabalho de concentração, a serem realizados a cada dia 15 e dia 30 de cada mês, que inicialmente seguiam os padrões do Circulo Esotérico de Comunhão do Pensamento e que posteriormente foram tomando um formato próprio.
De maneira geral, os trabalhos espirituais do Santo Daime seguem uma ordem, “trabalhos oficiais”, ou “hinários” e concentrações. Os trabalhos oficiais do Santo Daime seguem um calendário baseado nas datas e festividades cristãs estabelecidas pela igreja católica, as principais são: Sexta-Feira da Paixão; São João; Dia de finados ou todos os Santos; Virgem da Conceição; Natal e Santos Reis.

A farda é uma roupa padrão utilizado pelos membros desta doutrina, representando seu compromisso e missão com o caminho aberto por Irineu, todos os membros usam roupas igual, distintas somente pela questão de gênero. O Fardamento ou entrega de Estrela é o momento ou solenidade na qual o individuo compromete-se com esta doutrina. Aderindo à roupa padrão e passando a ter todos os direitos e deveres de membro do grupo, a solenidade de fardamento ocorre em geral nos intervalos ou finalizações dos Trabalhos oficiais, ou “Hinários”. Onde o dirigente do grupo explana sobre os deveres e direitos do fardado, os cuidados com a farda, a importância do zelo com a roupa que simboliza o próprio compromisso da pessoa com a doutrina de Irineu. E ao final de tal acontecimento, o dirigente ou presidente do centro coloca a medalha “Estrela” na roupa da pessoa, apresentando-a assim a todos o grupo enquanto mais novo participante/membro do grupo.

Abaixo alguns videos sobre a vida do Mestre Irineu e sobre a doutrina do Santo Daime.





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